Cinema Era Luxo
Ir ao cinema era um luxo, nossas opções de entretenimento não eram muitas, mas, o pouco que tinha era de qualidade.
Eu já vinha deixando de ser criança e as aulas de catecismo vinham fazendo minha rotina mudar um pouco, como se não bastasse a escola que já vinha me afastando das ruas, interferindo nas minhas inserções mato à dentro na além-linha da Souza Soutelo, onde frequentávamos para caçar lagartos (na verdade calangos), nadar na “mininha”, apanhar mamonas e achar boas forquilhas, no mais era o que viesse.
O período da tarde passou a ser ocupado à princípio dia sim dia não pelo catecismo, assim reduzindo ainda mais o meu tempo que vinha perdendo espaço para as novas atividades.
Mas começava uma nova fase, novas amizades, além dos já colegas de escola, paquerinhas, brincadeiras de salva e as missas aos domingos de manhã.
Depois da missa, tínhamos duas opções rotineiras, uma era o Clube do Papai Noel, programa infantil de calouros e variedades da Rádio Clube, que apesar do nome era produzido durante o ano, não me lembro exatamente o período, mas fugia da época do natal.
O outro era ir à matinê no Cine Ourinhos com os namorinhos ainda ingênuos, trocas de gibis e figurinhas, a compra de balas e doces na sortida cantina que além da irrecusável e única bala de café da dona Glorinha, esposa do gerente seu Romeu, tinha todo tipo de bala: cevada, anis, mel, ovos, menta, amendoim, conhaque, rum, whisky, toffe, Chita, 7 Belo, Paulistinha, Suzi (crocante, muito boa) e muitas outras, tinha caixinha de passas, Mentex e alguns outros confeitos, drops Dulcora sortido, de hortelã e os novos sabores, embrulhados um a um, cigarrinhos, moedas e tubo croquete de chocolate, chicletes em geral e muito mais.
O Cine Ourinhos funcionava no prédio que hoje abriga o Teatro Municipal Miguel Cury, na Rua Nove de Julho, 496, no Centro de Ourinhos (Foto: Arquivo Histórico)
As reposições das guloseimas durante a sessão, eram feitas pelo baleiro que era chamado de um lado para o outro, e também quem ficava para lá e para cá era o “lanterninha”, tentando identificar os baderneiros que quando localizados eram expulsos.
Formava-se fila para a água geladinha do bebedouro, a maioria de nós ainda tinha que subir no primeiro dos dois degraus da escadinha.
Depois do filme principal tinham os seriados, cada domingo um episódio e quando começava, batíamos o pé no assoalho de tábua, fazendo o maior tropé e assoviando usando papel de bala como uma espécie de paleta, produzindo um som muito estridente.
Já a matinê era para os adolescentes, mesmo porque a censura era rígida, os primeiros acessos eram sempre na tentativa de enganar os porteiros, dos quais o principal por muito tempo foi o seu Tufik, um homem muito gordo que depois virou vendedor de bilhetes de loteria.
Até atingir os doze anos e sair desta fase indefinida, já com a voz esganiçada e cheio de espinhas na cara, quando eu já poderia desfilar despreocupado nas sessões da tarde do cinema.
Era só acertar a namorada e falsificar a carteirinha de estudante para entrar nos filmes proibidos e impróprios, só que tinha que ser gradualmente, sem dar bandeira para o porteiro não desconfiar.
Até que inauguraram o Cine Peduti, mais amplo e moderno com um grande palco que recebeu eventos como o show do Toquinho e Vinícius e muitos outros, um festival regional de músicas e os melhores filmes passaram a ser exibidos em sua enorme tela.
Cine Peduti deu lugar ao que é hoje o Shopping Cinemarti, na esquina da Rua Arlindo Luz, 290, no Centro de Ourinhos (Foto: Arquivo Histórico)
Mas nós continuávamos frequentando as sessões noturnas do Cine Ourinhos, de preferência no "Puma" que era a parte superior com cadeiras numeradas e estofadas, no auge os ingressos eram vendidos com antecedência e ficavam expostos enroladinhos e enfiados nos furinhos com números em um tabuleiro.
Em 1949, o Cine Ourinhos já oferecia, aos sábados e domingos, duas sessões noturnas às 19h30 e 21h30 e uma vesperal (domingo) às 14h15 (Foto: Arquivo Histórico)
Passou a ser boa opção para quando, já estudando à noite, matávamos aulas e chegávamos a assistir mais de uma vez o mesmo filme que na maioria das vezes era de "faroeste". Aproveitávamos também para matar as saudades dos velhos tempos e jogar balas na cabeça de quem estava assistindo no salão inferior.
Para quem viveu nesta época é impossível lembrar-se de tudo isso sem vir à cabeça a música que antecedia as sessões, para que as pessoas se acomodassem, as notícias de futebol narradas pelo canal 100, o sheeee para o condor voar e aquele bando de moleque fumando escondido no banheiro masculino.
Passou, o cinema entrou em uma fase de decadência à princípio pelo surgimento do vídeo cassete... e as mudanças de hábitos, assim o Peduti, após um período com aparência de semiabandonado, virou a galeria Cinemarti que começou contando com duas salas menores e modernas que atualmente são projetadas para fazer parte das praças de alimentação.
O Cine Ourinhos após ser apelidado pejorativamente de "Pulgueiro" hoje abriga o nosso maravilhoso Teatro Municipal.
O shopping recentemente inaugurado na cidade, dispõe de mais quatro salas de projeção.
Ainda tive notícias recentes que continuam entre nós o baleiro Ademir e o lanterninha Alfeu (Fefeu) que se irritava quando gritávamos seu apelido e nos colocava para fora.
Alfeu, um dos lanterninhas
Confira outras histórias. Cilque nas imagens:
Donos da Rua Vendas e outros Comércios