A Capanga, por Jair Vivan Jr.

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Em minha capanga eu levava de tudo, um chaveiro com minha foto (cortesia do Foto Olímpico), isqueiro, um carnê da Upi Magazine meio pago, um maço de cigarros Minister, talão de cheques todo assinado pela minha mãe (tinha que assinar em conjunto), pente, espelhinho, calendário, caneta Bic azul, uma carteirinha plástica com algumas fotos 3x4, um caramelo de leite, moedas, mais algum e documentos.

Só tinha RG, Abreugrafia, Atestado de Bons Antecedentes, Atestado de Sanidade Mental e Física, um Nada Consta e Carteira de Estudante, mas era o suficiente.

Agora era trabalho de escritório, só tive mesmo que tirar uma nova profissional, eu tinha trabalhado uns três anos sem registro e minha Carteira de Trabalho do Menor, emitida em 69 para meu primeiro trabalho, tinha que ser substituída por uma definitiva.

O que importava era subir e descer no elevador Atlas (o), sempre tinha um o acrescentado à caneta, fora a importância de ter a chave do escritório e ser o responsável pela bicicleta.

Pegava a correspondência e ia para o 3° andar do Edifício Bradesco, o 2° maior da cidade já que tinham construído o Brasul e o menor se não considerasse o Ed. Ferrari na Rua Paraná de três andares, mas que não tem elevador (este era bom para apertar campainhas dos moradores do terceiro e sair correndo, quando chegavam ao térreo a molecada estava longe) o resto era tudo casa e só alguns sobrados.

Eu ficava olhando da janela de frente para a Praça Melo Peixoto, ainda com os viveiros de pássaros, a piscina da fonte luminosa cheia de peixes vermelhos, brancos e manchados de vermelho e branco.

Lembrava dos passeios de domingo à noite ainda com meu pai, da banda do seu Américo com seu carneirinho no coreto, pipocas nos carrinhos, saindo na hora ao som do fogo forte e do calor do fogareiro à gás, não tinha como não pedir.

E o chuvisco da fonte, que quando ligavam uma que jorrava mais alto e batia um vento, era um tal da mulherada segurar a saia e sair correndo, a gente caía na gargalhada.

Mas eu caía na real e voltava para a mesa, fazer os lançamentos na máquina Ruf, ficha por ficha (furadinhas nas laterais) que era encaixada em uma cremalheira na parte superior e puxada por uma manivelinha fixada no rolo e posicionava no lugar exato para grafar os números a serem contabilizados, ruim era quando entrava torto, rasgava e danificava os encaixes da folha.

Na volta do almoço eu parava na banca para ver se já tinha o Pasquim da semana, caso sim eu adquiria o meu e ia para o Café Paulista ou Bar Paratodos, o que estivesse mais vazio, tomar um café e começar a folhear e ler.

Eu voltava para o prédio com a capanga e agora também com o tabloide debaixo do braço, já com o chaveiro chacoalhando na mão, trocava uma ideia com o porteiro e subia naquele elevador de paredes de fórmica cor de rosa, com a importância de alguém tão novo e já sendo parcialmente responsável por um escritório.

Quase chegando no terceiro, já que não tinha ninguém vendo, muito menos câmeras de segurança e com certeza o porteiro já tinha voltado para seu costumeiro cochilo, eu aproveitava para apertar todos os botões antes de saltar no meu andar, assim matava saudades de outros tempos.

Sintonizava o radinho na Club ZYS-7 e ia logo adiantar meus compromissos para sobrar tempo, ler mais um pouco e ainda ir à janela para continuar lembrando das felizes noites na praça.

Após o expediente eu atravessava totalmente na diagonal, contornando a piscina pelo lado que tinha a passarela de acesso ao coreto, fazendo breve visita aos viveiros e atravessava em frente ao Banco Auxiliar onde eu viria à trabalhar futuramente, isto quando não atravessava primeiro em frente ao Foto do seu Machado, caso já tivessem revelações de algum evento recente.

Bem depois, tirei a Reservista, Título de Eleitor, CIC e Carteira de Habilitação, que iam tudo em minha nova capanga que também podia ser usada à tira colo e tinha divisórias, na menor delas eu carregava enroladinhas em um pedacinho de papel, minhas cinco primeiras pedras dos rins.