Era nosso delivery espontâneo, se ouvisse o som da matraca; Jair Vivan Jr e a crônica do passado

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Delivery

As ofertas vinham ao nosso encontro, tinha que entender os sinais, era nosso delivery espontâneo, se ouvisse o som da matraca, aquela alça de metal fixada no suporte de madeira quicando ao ser chacoalhada, tec tec, tec tec, tec tec, era o "bijuzeiro" com seu grande recipiente cilíndrico cheio do produto, na tampa tinha uma roleta que dava direito a compra premiada, podendo levar de dois a três bijus pelo preço de um.

Aquela buzininha ardida de boca de corneta e bombinha de borracha apertada insistentemente em compasso rápido, era o algodão doce que vinha com o carrinho envidraçado com alguns já prontos em exposição, mas preferíamos os feitos na hora o negócio era ver ele girando na força do pedal e formando as teias doces de fios do açúcar que era colocado no orifício central do recipiente redondo, o qual acumulava no fundo, torrõezinhos que levávamos como cortesia e quando não tínhamos dinheiro, o "algodãozeiro" nos presenteava com esta rapa. 

A mesma buzina em compasso mais lento era o sorveteiro, o bucheiro também usava desta buzina, só que maior, a qual emitia um som mais encorpado, este em princípio era de interesse dos adultos pois comercializava miúdos, na maioria das vezes, de boi.

Para os adultos tinha também o amolador de facas e tesouras que era o fascínio da criançada, de longe já anunciava sua chegada ao emitir o som estridente do atrito do metal à ser afiado com a pedra giratória, movida pela correia envolta na roda de carroça girada por um único pedal, adaptada a um cavalete em forma de carriola para ser transportado, "fuimmm", era ele, rodeava de moleques para apreciar o som variado da operação dependendo da criatividade do afiador que para nós eram admiráveis artistas, tinha um que quebrava o galho dando fio às faquinhas de prego que produzíamos nos trilhos do trem.

O Leiteiro com os tambores, o produto era comercializado em recipientes retornáveis, de vidro ou alumínio e tinha que ser muito bem fervido, era a charrete que deixava o risco branco pela rua quando a torneirinha ficava aberta, as vezes cruzando com o risco vermelho deixado pelo bucheiro, seguido por uma fila de cachorros.

O padeiro, que também era de interesse da criançada devido ao pão doce e as caronas, também passava a baiana da cocada, a martelinha (que como lembrou um amigo, "o preço era o tanto de dinheiro que você tinha"), a mulher que vendia sonhos, o pipoqueiro, o verdureiro, o  vendedor de pirulitos no tabuleiro furadinho, o "guardachuveiro" que fazia pequenos consertos, o peixeiro dentre outros que batiam palmas no portão, gritavam anunciando seu produto ou serviço, emitiam algum som normalmente característico que chamasse a atenção.

E de repente me lembrei, talvez da mais remota lembrança desta rodada, o som do realejo se aproximando, ainda tinha por aqui e corríamos para o periquito tirar nosso bilhetinho da sorte, tinha que pagar, mas era baratinho, às vezes também, o tanto que você tinha, qualquer moedinha.

O mundo foi se modernizando e adaptou-se às comodidades das entregas em domicílio, em sua maioria feita pelos motoboys e assim entramos na era do delivery.

Mas jamais poderíamos imaginar que no futuro as entregas de nossos fast foods e produtos de pequeno porte, executadas através de digitação em um aplicativo, seriam realizadas por drones que chegam sorrateiramente, quase invisíveis e limitados ao som de seus motorzinhos.

(Reveja outras crônicas - Clique na foto acima)