Uma decisão da Vara da Fazenda Pública de Marília (90 km de Ourinhos) condenou o Hospital Materno-Infantil (HMI) a pagar indenização por danos materiais, morais e pensão vitalícia a uma menina de 5 anos, que ficou praticamente cega por negligência hospitalar após o parto, que aconteceu em 2014.
A decisão foi proferida pelo juiz Walmir dos Santos Cruz, que considerou que o hospital não cumpriu o que preconiza a Lei nº 12.969/2008, dispõe sobre a obrigatoriedade de realização, por maternidades e estabelecimentos hospitalares congêneres do Estado, de exame, gratuito, de diagnóstico clínico de retinopatia da prematuridade – reflexo vermelho (teste do olhinho) e, em seu artigo 4º, dispõe que: "as famílias dos recém-nascidos receberão, quando das altas médicas, relatório dos exames e dos procedimentos realizados, contendo esclarecimentos e orientação" (destaquei). Houve, portanto, violação do dever legal de cautela no caso concreto.
Condenado, o HMI terá que pagar a família da criança R$ 9.385,00 por dano material (para cobrir custos com medicamentos, consultas, exames, locomoção, alimentação); 100 salários mínimos (cerca de R$ 100 mil) a título de indenização moral; e pensão vitalícia de 1 salário mínimo mensal (para alimentação, moradia e vestuário da vítima, pois “os laudos indicam que as consequências da cegueira a acompanharão por toda a vida”). A decisão ainda cabe recurso.
O Passando a Régua conversou com a mãe da menina Eduarda Lima, que hoje está com cinco anos. Após passar por alguns procedimentos cirúrgicos, hoje ela consegue ver muito pouco. A mãe disse que com dinheiro da indenização pretende levar a filha para os Estados Unidos, para a realização de tratamento que é só feito em um Instituto em Miami.
“Ela hoje só consegue ver vultos e cores, saber o que dia e o que é noite, mas, assim enxergar mesmo, não. Tem um tratamento que a gente tá procurando fora do Brasil, um Instituto que fica em Miami, lá tem alguma coisinha e a gente vai buscar esse tratamento para ela”, contou a mãe Andreia Oliveira.
Eduarda Lima hoje com cinco anos, só consegue enxergar vultos e cores (Foto: Arquivo Pessoal)
Entenda o caso
Eduardo Lima, que hoje tem cinco anos, nasceu prematura no dia 15 de abril de 2014, com idade gestacional de 26 semanas. Sua irmã gêmea não resistiu e faleceu, mas Eduarda foi encaminhada à Unidade Intensiva Neo-Natal do HMI, onde permaneceu internada por 76 dias.
Apesar da prematuridade, nasceu bem e com boa vitalidade, mas, em data de 26/06/2014, a médica oftalmologista da UTI não conseguiu realizar o exame de fundo de olho na criança, em decorrência da falta de dilatação dos olhos da bebê, não tendo reagido o colírio aplicado.
Relataram os pais que não houve, por parte da equipe médica responsável pelo acompanhamento da bebê, condutas eficazes a investigar o motivo pelo qual não houve a dilatação dos olhos da criança e, em 30/06/2014, a menina recebeu alta do Hospital com pesagem abaixo da recomendada.
Em setembro daquele ano, a genitora notou que os olhos da filha estavam com aspecto estranho e após o exame de ultrassonografia ocular, descobriu-se que a criança estava com descolamento de retina, sendo a menor diagnosticada com "retinopatia da prematuridade".
Os pais apontaram ainda que a Lei nº 12.551/2007, alterada pela Lei nº 12.969/2008, tornou obrigatória a realização do exame de fundo de olho para prevenção e tratamento da retinopatia da prematuridade, devendo ser reconhecida a responsabilidade do requerido em razão da conduta omissa e negligente de sua equipe médica.
A mãe da criança relatou que desenvolveu perda da visão bilateral, ou seja, encontra-se cega e, portanto, requereu a condenação em danos morais em montante suficiente para ressarcir todo o prejuízo experimentado, bem como a condenação do Hospital em dano material pelas despesas do tratamento já havidas, no montante de R$ 16.985,00, e as que ainda se farão necessárias, além do pensionamento mensal e vitalício, no valor de um salário mínimo federal.
Acompanharam a Ação os documentos relativos ao prontuário médico, a alta médica, o cartão de alta da recém-nascida, recibos de consultas oftalmológicas, ultrassonografia ocular, relatórios médicos e cópia de inquérito policial.
O Hospital contesta
O Hospital, devidamente citado, apresentou contestação, alegando que a não realização do exame de fundo de olho se deu unicamente por omissão dos próprios autores. Sustentou que o atendimento da autarquia/FAMEMA foi correto, seguindo todos os protocolos médicos, que a autora foi orientada para que retornasse para realização de novo exame, que mesmo após o desenvolvimento da doença foi dado todo o atendimento necessário aos genitores da paciente e que não há conduta ilícita ou omissão por parte do requerido.
O prontuário médico da bebê foi juntado aos autos. Foi juntada cópia de procedimento criminal instaurado em face dos profissionais de saúde para apurar o delito dos artigos 229 e 10, III, do ECA. O laudo da perícia médico-legal também foi juntado.
O Hospital se manifestou sobre o laudo pericial, alegando que a perícia, apesar de dar a entender que há nexo causal entre o (não) atendimento prestado e os danos causados à menor, deixa claro que houve o exame de fundo de olho e que não foram encontradas quaisquer anormalidades, que foi tentada a repetição do exame, a qual não ocorreu por ausência de dilatação e que, nestes casos, há necessidade de repetição após alguns dias, não tendo os pais da criança encaminhado a menor para realização de novo exame agendado para 04/07/2016. Por fim, pontuou que foi a negligência dos pais da autora que implicou na evolução negativa das condições de saúde da bebê.
A mãe da criança, por sua vez, manifestou-se, alegando que o laudo médico ressaltou não ter encontrado na alta hospitalar encaminhamento ao oftalmologista para seguimento e que o encaminhamento somente aconteceu após a perda total da visão da criança.
Afirmou que foi tirada da recém-nascida a chance de ter um tratamento adequado e se tivesse sido realizado novo exame de fundo de olho, logo após a última tentativa, certamente seriam apontados os problemas de saúde ocular que poderiam ser revertidos.