João Neto: A Tampa do dedão!

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Voltávamos do Virgínia Ramalho (Grupinho de Ourinhos -SP) brincando.

Estilingues dependurados no pescoço, embornal a tiracolo, pedras atiradas nos coitadinhos dos pássaros e nas casinhas de marimbondos... Todos descalços, pés sujos e sem a tampa do dedão - todos ligeiros.

As lições de casa eram respondidas em grupo, na sombra da ingazeira que ali existia, na esquina da Narciso Migliari com a Barão do Rio Branco... Compartilhávamos o mesmo lápis, a mesma borracha, a mesma tabuada, os mesmos sonhos.


Escola Virginia Ramalho, antigo "Grupinho de Ourinhos" (Foto: Reprodução)

Vivíamos uma infância feliz, mas, carente de pão... Ninguém de nós tinha nome, só apelido: Marreco (eu), Carroça, Barbante, Galegão, Beronha.

O sonho? Imaginávamos a chance de tornarmos jogadores de futebol... Talvez jogar no Palmeiras, Corinthians ou União da Barra Funda!

Numa certa manhã chutamos os sonhos fora, a realidade bateu na nossa porta no exato momento que fizemos nossa carteira de trabalho, mudamos os planos e dependuramos as chuteiras!

Crescemos como crescem os galhos da ingazeira, cada um apontou para um lado... A busca por horizontes separou nossos caminhos... Seguimos, cada qual com seu estilingue e seu projeto de vida possível, como as ingazeiras que não vergam a qualquer sopro, resistimos aos ventos.

O dia da minha vitória chegou no instante em que apresentei meu TCC... Com direito à cena triunfal, e Raulzito na vitrola cantando “Tente Outra Vez”, adentrei o salão de cerimônias sob aplausos, então, olhei para trás e revi o filme da minha vida... O que era sonho virou realidade... Me fiz ganhador... Me concebi invencível!

Hoje, percebo que temos nome e sobrenome, percebo também, nossos pés calçados e aquecidos... Nossos planos de saúde têm até cobertura para tampa de dedão... Sem julgamento de valores, ou da quantidade de bens adquiridos, chegamos à fase da vida em que podemos nos sentar e rir dos tempos escassos, dos pés sujos e das dificuldades abatidas à pelotadas!



Frações, equações e logaritmos: Só não entendemos a insistência do professor Matsumoto em ensinar isto, nunca usamos nem vamos usar - temos preferência por ilusões, poesia e batata frita!