Quando fui bancário no interior do Paraná, talvez aquele tempo tenha sido meu período laboral mais tranquilo.
Cidade de pouco mais de cinco mil habitantes, todo mundo conhecia todo mundo, maioria do povo descendente de alemães e poloneses: aqueles com o sobrenome carregado de consoantes.
A rotina da cidade era exatamente a mesma de quase todo interior, os estabelecimentos também: Uma farmácia, dois empórios, uma oficina mecânica, correio, um barbeiro (onde rolava os fuxicos), delegacia com um policial, duas agências bancárias, duas escolas, uma igreja católica e uma evangélica, uma banca de jogo do bicho, pelo menos seis botecos e uma casa de tolerância na saída da cidade.
Imagem ilustrativa de um barbeiro (Foto: Reprodução)
Apesar de introspectivos, era um povo de boa lida, uma cidade sem crimes, sem ocorrências policiais. Os guardas de lá, diziam que ganhava dinheiro do estado para dormir!
Os correntistas do banco não estouravam a conta, dava até inveja. Aliás, eram assíduos utilitários da "carteira agrícola", o que hoje chamam de agronegócio.
As casas do lugar, mesmo as mais antigas, eram o retrato fiel da arquitetura alemã: enxaimel... E algumas greco/romanas (exagerados arcos), com quintais enormes e imensos jardins na entrada.
Numa dessas moradias, uma grande casa amarela, morava uma senhorinha bem idosa, sozinha, Dona Zita.
Ela ia ao banco uma vez por mês, recebia, por ordem de pagamento, uma boa quantia de benefício social do governo alemão (seu marido havia lutado e morrido na Segunda Guerra).
Era acometida pela hipercifose (corcunda), vivia cantando pelas ruas, em alemão, palavras que eu nunca entendi.
Para falar a verdade sua moradia era obscura, jardim envelhecido e sem flores... O único pé de flor que restou foi um portentoso pé de "dama da noite" que, na primavera, exalava seu perfume contundente e delicioso, por quase toda a cidade.
A única ocorrência policial que o guarda ocioso atendeu foi o da morte da Dona Zita... Faleceu dormindo, suavemente partiu para a casa do Pai. A diarista que fazia a faxina na Dona Zita, na quarta-feira, a encontrou dormindo o sono eterno!
Bem, sobre o benefício social que ela recebia, afirmo que era maior que o salário do gerente do banco!
Pra quem pensava que ela não tinha herdeiros, enganou-se... Na semana seguinte à sua morte, já havia parente, até da “Cochinchina”, pleiteando sua robusta caderneta de poupança e sua velha casa amarela!
Ah, esse mundo cruel!
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