João Neto: Amor Além da Vida

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Conheci Dona Nena quando fui fazer a leitura do seu relógio de luz, há mais de vinte anos, numa segunda-feira de mormaço insuportável. 

Era das mais antigas moradoras daquele lugar... Habitava a última casa de madeira, antes do mata-burro que atravessava o “ribeirãozinho” torto.

Mata-burro que atravessava o “ribeirãozinho” torto (Foto: João Neto)

Viúva do balaieiro, Dona Nena era miúda, de olhos sem brilho, corpo curvado pra frente, um sorriso econômico - quase apagado. Boa de prosa, tinha a conversa mansa, carregada de uma “mineirice” inconfundível.

Era notada, principalmente, por uma particularidade: só usava roupa preta... Podia estar calor de arrebentar mamona, o mundo podia estar em brasa, ela não descartava o vestido preto!

Sua vestimenta, seu corpo miúdo e arcado, além de seus passos lentos, lhe davam um ar de mistério.

Havia quem dissesse que ela costumava caminhar pelo cemitério em noites de lua mansa. Acredito que isso era apenas a língua comprida daquele povo.

Era muito bondosa, toda vez que estive em sua casa, fez questão de oferecer café com pão feito em casa... Eu gostava de sua prosa: falava do tempo, do companheiro, dos pais que nunca mais viu e dos filhos que nunca teve.

Numa das nossas conversas criei coragem e perguntei o motivo de usar somente preto, serenamente respondeu:

- Depois que o Juca faleceu, em respeito a ele, decidi guardar luto para sempre... Ele era de família muito rica e eu muito pobre, pois ele abandonou tudo para viver comigo... Ele tinha dezenove anos e eu dezesseis.

Ela suspirou fundo e prosseguiu:

- Vivemos cinquenta e seis anos juntos, confesso que ele cuidou de mim cada ano, cada dia, cada minuto... Eu sou apaixonada por ele até hoje!

Enquanto eu disfarçava uma lágrima ela confidenciou:

- Quando a lua está clarinha eu vou ao cemitério visitá-lo, a gente caminha horas conversando de mãos dadas, são esses passeios que me mantém viva!

A covid levou Dona Nena para o céu em 2022, tenho certeza que se encontrou com Seu Juca, estão caminhando de mãos dadas pela eternidade!

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