Comecinho de 1974, eu ingressava na Serralheria Moya, função: ajudante.
Primeira semana, eu tentando me adaptar, “molecão”, inexperiente e "simprão" de tudo.
O Zelão Faísca ordena:
- Ajudante, vai até a Serralheria do Dega e pede pra ele me emprestar o "martelo de desentortar vidro".
Vejam que nessa altura do campeonato nem nome eu tinha, era simplesmente "ajudante".
E lá fui eu, debaixo daquele solão, a pé atravessei a cidade inteira, da Duque de Caxias até o Jardim Matilde.
Cheguei lá o tal Dega não estava, me atendeu um senhor educado, acho que era sócio da oficina... Ele começou a rir de mim, sem parar, principalmente quando falei do martelo de desentortar vidro.
Porém, foi educado, disse pra não cair mais nessas "pegadinhas", me serviu água gelada e falou pra eu "ficar esperto".
Eu, moleque cascudo, alma de engraxate, conhecia as "zueiras", mas o tal martelo de desentortar vidro eu não sabia.
No caminho voltei pensando na vingança.
Chegando lá o saudoso Zelão, com aquela cara de cadela, me perguntou:
- Trouxe o martelo?
- Não, respondi... o Dega disse que emprestou pro primo dele, ah também mandou te avisar que hoje às oito da noite vai fazer um churrasco na serralheria, mandou te convidar... Disse que vai ter cerveja e whisky à vontade!
Pronto, na hora que eu falei "whisky" o zóio do “bicho véio” brilhou, e ainda gritou:
- Moçada, vai ter churrasco lá no Dega, hoje oito horas.
Lembrando que naquele tempo não havia celular e o telefone fixo era cadeado, não tinha como confirmar o "convite".
No dia seguinte, cheguei ressabiado na oficina, querendo saber se eles foram no "churrasco"... Mal entrei e o Zelão me olhou e disse tudo que é palavrão, o mais suave foi quando me mandou " tomar caju".
Acho que este fato foi meu rito de passagem, me tornei respeitado, trabalhei 9 anos com eles, os quais me ensinaram o ofício de serralheiro.
Bons tempos, meu jovem, bons tempos!
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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos.
Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.
João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.