João Neto: Conflito de gerações

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Ao entrar em casa para meu merecido ‘descanso do guerreiro, o filho caçula e seus amigos de turma do Instituto Federal do Paraná, de Jacarezinho, estavam esparramados pela sala, todos, sem exceção, com iPhone em punho (ou, sei lá que tipo de celular eles possuem), fones de ouvido nos orifícios auriculares, uniformes da geração: bonés, bermudas e camisetas coloridas...

Enquanto abro a porta um dos aparelhos repetia de uma música que desconheço.

Ao notarem minha presença, movimento simultâneo, retiram os fones dos ouvidos e cumprimentam em coro:

- Beleza João?

- Beleza! Imito o gesto fechando a mão - erguendo o polegar.

Antes de me dirigir para o ‘jardim de inverno’, procuro e não encontro o “Rio” do Santana Filho – eu precisava reler a parte dos banhos de rio e dos carneiros errantes... Alguém deve ter emprestado (e não devolvido) pensei.

Não tem tu, vai tu mesmo - diria meu avô, acabei pegando uma de minhas relíquias: um exemplar do Almanaque Capivarol, que ganhei numa farmácia, em Marília, no final de 1981.



Abro o almanaque e me deparo com um charlatanismo sincero do xarope patrocinador: “Sonhei com Nossa Senhora e ela me mostrou um vidro de remédio para maleita, minha filha tomou Capivarol e melhorou na hora!”...

Essa doeu!

Eu nem quis seguir a leitura... Elixires, pílulas, xaropes, receitas de bolo, melhor lua para plantio e pesca, horóscopo e tudo mais, fica pra próxima.

O que essa geração, pós sertanejo universitário, saberia de poesia, de almanaques, de rios, de Mário Quintana, goma arábica, fita cassete, camisa volta ao mundo e calça boca de sino?

O que sabem eles de Santana Filho (aquele que escreve palavras estrondosas e garrafais - em caixa baixa), bancas de jornais, barbearias e máquinas de escrever?
 
O que saberão de Cora Coralina, bola de capotão, de aulas de francês nas sétimas e oitavas séries? Terão conhecimento de Juca-Pirama e indianismo, Guimarães Rosa - Riobaldo e Diadorim, grandes sertões, lambretas e cuba-libre?

Teriam, mesmo que por engano, ouvido Belchior ou Paulinho Tapajós? Zé Geraldo ou Adriana Calcanhoto?
Como mostrar meus discos envelhecidos para os clientes do McDonald’s que, por hora, curtem Michel Teló, na sala?

Retiro meu coturno, descalço minhas meias, estico minhas pernas sobre a namoradeira e, ainda vestindo antichama, antes de fechar meus olhos, avisto um dos estudantes tecnológicos, ao lado das violetas na janela, confessa estar lendo o livrinho azul subtraído da minha estante.

Neste instante um incontido contentamento toma conta de mim, eu, sonhador e conhecedor do romantismo mais estabanado, tenho que admitir que o conflito de gerações faz parte da evolução de nossa alma.

Na manhã seguinte, primeiro dia do inverno, recebo uma notícia tão surpreendente quanto triste: Christian faleceu na madrugada!

Fecho os olhos e sozinho, escuto segurando o choro:
"...sonho, choro e sinto
que resta alguma esperança
saudade,
quero arrancar esta página
da minha vida..."