Num outro dia, religando luz num bairro central, o consumidor me interpela:
- Foi você quem cortou minha luz, hoje de manhã?
- Sim, fui eu!
- Você não tem medo de morrer não, cara?
- O senhor está me ameaçando? Respondi.
- Não, só queria saber como você entrou aqui e meu cachorro não te mordeu!?
- Fique tranquilo, cachorros não me mordem, eu sei conversar com eles, já fiz amizade com seu cachorro, hoje de manhã! Expliquei.
- Você está "tirando uma" com a minha cara? Exclamou.
- Não senhor, eu converso com os animais, eles me entendem, é sério!
- Posso soltar o Sadan com você aqui dentro do quintal? Desafiou.
- Pode soltar, eu bato um papo com ele!
Só fiquei com medo do homem... Vai que ele dá um grito de comando pro cachorro me atacar!
E não é que o sujeito soltou o cão, que veio rosnando pro meu lado.
Fiquei inerte, o cachorro não latiu... Me cheirou e abanou o rabo.... Comecei a acarinhar sua cabeça conversando com ele, como se eu o conhecesse há tempos.
O cara não acreditou:
- Rapaz, se alguém coloca a mão no portão ele chega morder o ferro de raiva.
- Fique tranquilo os animais me tratam bem.
Antes de sair, pra mostrar empatia, chamei o cachorro:
- Vem Sadan, vem despedir de mim!
O cachorro veio, ganhou um carinho e um abraço no pescoço... Já dentro da camionete o rotweiller me olhou com olhar pidoncho, como se quisesse que eu ficasse com ele!
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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos.
Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.
João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.