No sábado meu turno de trabalho encerrava às onze horas, porém, naquele dia, fui até às duas da tarde, meu patrão pediu para que eu terminasse a soldagem do suporte de um condicionador de ar.
Trabalho concluído, recebi minha semana e fui para casa, dia chuvoso, tempo em que morávamos somente eu, meu pai e minha mãe.
Lembro que chegando em casa, papai estava sentado à mesa com mamãe, dando "papinha" em sua boca... Terminou de alimentá-la, tirou a mesa, pegou o baralho e disse:
- Vamos jogar buraco, Conceição?
Num raro momento de lucidez ela fez sinal de positivo com a cabeça... Eu vi que ele tentou, mas ela apenas segurou as cartas na mão sem reagir, talvez para não forçar a cabeça de mamãe ele organizou as cartas sobre a mesa e ponderou:
- Você bateu, Conceição!
Novamente ela não reagiu.
Sinceramente eu não sabia de quem eu sentia mais dó: dele com sua resiliência e dedicação, ou dela, uma vela quase apagando!
Tempos depois, mamãe estava ainda mais debilitada, o Alzheimer estava a consumindo silenciosamente, já não lembrava de nada nem ninguém.
Meu pai, com uma paciência de Jó, foi quem cuidou de mamãe até o último minuto... Mais de dois anos de luta, entre internações, medicações, banhos, alimentação, remédios e tudo que fosse possível e impossível pela melhora da Dona Conceição. Ele foi a luz, o calor e o ombro aconchegante, no seu caminho do esquecimento.
Alguém certo dia exclamou:
- Nem adianta tentar explicar as coisas para ela, seu José, ela nem sabe mais quem é o senhor!
- Ela pode não se lembrar de mim, mas eu sei exatamente quem ela é!
Em novembro de 92 mamãe descansou, com José compartilharam cinquenta e seis anos do amor em total plenitude.
Em 2007 papai também partiu, e sem mais nenhum véu a separá-los, se reencontraram no céu, para viver o amor pleno - pela eternidade!
Eu, nesta madrugada também chuvosa, fui lembrar dos dois amantes: José e Conceição. Enquanto escuto no mp3 "História de un amor" com o grupo French Latino, as lágrimas caem uma a uma, enquanto o coração aperta doído!
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