Num outro janeiro, fui até a estação esperar o trem pra São Paulo. Não ia aventurar, já tinha serviço arrumado e lugar pra ficar.
Cheguei na estação lá pelas 7 da noite, uma mochila atarracada nas costas, roupas, documentos e uma puta vontade de acertar!
Sentei no banco ao lado do portão de acesso à plataforma de embarque, esperando o trem que viria de Presidente Epitácio.
No banco ao lado uma senhora de meia idade, acompanhada de uma menina vestida com uma blusinha amarela, cabelos pretos compridos, amarrados tipo rabo de cavalo.
Por um instante esqueci do meu trem, fiquei a observar a menina que, vez em quando, deixava escapar um olhar discreto, enquanto vagarosamente mastigava bolachas que sacava do pacote de Mirabel.
Fiquei encantado, imaginando que a menina também embarcasse pra São Paulo pra que eu pudesse trocar uma ideia com ela.
Além do olhar discreto ela tentava disfarçar o sorriso, não sei se sorria de mim ou pra mim.
Oito e meia o trem chegou - eu embarquei, na plataforma percebi que a menina e a mãe foram de encontro a um senhor que desembarcou minutos antes.
Enquanto eles caminhavam sentido à rua Antônio Prado meu trem partiu, pela janela percebi que ela me mirava, enquanto o trem seguia, ela, discretamente, me acenou com tchauzinhos de despedida.
Ano passado estive na estação, quase 40 anos depois... Percebi que retiraram os bancos, a estação esvaziou - está deserta, trem de passageiros também não existe mais.
A menina de blusinha amarela sequer apareceu com seu pacote de Mirabel pra me acenar.
Daquele tempo só restaram os trilhos que, por falta de uso, também estão adormecidos.
Foto: eu mesmo num click de Reginaldo Pereira Góis
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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos.
Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.
João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.