João Neto: Olhos Brilhantes

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A chuva se arrastava intermitente, desde o domingo, fato que transformava aquele meio de semana em dias frios, cinzentos e sem alegria. Os ipês, na avenida ao lado, já haviam ejetado suas flores, o que os tornava extremamente lindos, contrastando com o tempo sem graça.

No retorno do almoço, ao estacionar meu carro em frente ao trabalho, percebo uma mulher de uns trinta e tantos anos, com um guarda-chuva velho, se protegendo, abraçada e rodeada por quatro crianças, vestidas com surradas blusinhas de lã sem grife, todas com o olhar fixo na direção do Fórum Criminal.

Ao sair do carro, e antes que eu travasse a porta, percebo que aquela mulher, juntamente com suas crianças, sai em disparada na direção do Fórum, gritando em coro:

- É o papai, ele está chegando. Vamos, corre, corre, corre!

E correram todas de mãos dadas, cabelos úmidos ao vento, batendo suas sandalinhas nas poças d’água, ainda com os olhares fixos numa viatura policial que estacionava na porta principal do Fórum, trazendo um preso algemado para possível audiência com o Juiz de Direito.

Que cena triste! 

O pai, ao perceber a presença das crianças e da esposa ergueu os braços, na direção da família e, mesmo limitado pelas algemas, acenou-lhes um monte de vezes e repetidamente. Suas lágrimas, naquele instante, se misturaram com a chuva.

As crianças não puderam se aproximar do pai. O que se viu e se ouviu, depois disso, foi uma sucessão de choros e gritos desesperados - além de um pedido unânime:

- Volta pra casa papai!

Assistindo a tudo, em meio aos ternos de distraídos advogados, pedi que Deus ajudasse aquele homem, e que ele fosse colocado em liberdade.

Não o conheço, nem sei o delito que cometeu, porém, sua liberdade faria um bem enorme para aquelas criaturinhas de olhos brilhantes, carentes de pai - entre outras necessidades de menor importância.

Os ipês seguirão floridos até o final de junho. Quanto aos dias frios e cinzentos eles não se eternizarão.

Melhor acreditar!

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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos. 

Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.

João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.