João Neto: Os Donos do Tempo

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Tempo, ah o tempo... Aqui, no universo rural, ele passava devagar, desmentindo a pressa dos ponteiros do relógio.

Logo cedinho o gado se esparramava pela relva, mastigando preguiçosas touceiras de capim... Depois, de tanto ruminar, seguiam em fila indiana até o generoso lago dos lírios d'água, saciavam a sede, deitavam-se e faziam a sesta nas sombras das árvores colossais.

Foto: Arquivo pessoal

Mamãe levantava com o canto do galo, o sol ainda dormia e, enquanto todos levantavam, o bolo de fubá e as bolachinhas de nata já estavam na mesa e, sobre o fogão de lenha, o bule do café emanava o melhor cheiro de nossas vidas.

As galinhas já rodeavam o quintal, esperando que mamãe atirasse generosas "mãozadas" do milho que colhemos e debulhamos na segunda-feira.

Os patos, marrecos e as angolinhas se juntavam às galinhas naquele banquete de quirera e grãos de milho.

Mamãe e as irmãs seguiam, bem cedinho, para a bica d'água - para bater roupa na tábua de peroba...  Nós éramos escalados para recolher os ovos dos ninhos, tratar dos porcos e cuidar da horta.

Papai e os irmãos mais velhos arreavam a mula para passar o arado de bico e fazer a semeadura dos nossos alimentos, nas sextas-feiras era dia de matar porco, tanto para nosso consumo quanto para um açougueiro que vinha da cidade buscar suas encomendas!

Os estudos eram na escolinha de tábuas do bairro rural, da doce professora Djanira, meu primeiro amor de menino!

No domingo, mamãe, com chuva ou sol, nos obrigava assistir a missa na Capela do lugar, vestíamos nossa melhor roupa, eu do meu lado, nem prestava atenção nas homilias, ia mesmo era paquerar a filha do dono da venda.

Vez em quando papai e mamãe iam sozinhos para a cidade, traziam uma demasiada quantidade de tecidos para mamãe fazer roupas, na sua surrada máquina de costura.

Nem tudo era trabalho e obrigações, tínhamos o tempo ao nosso favor... Podíamos caçar de estilingue, pescar lambaris no lago dos lírios d'água e, inventivos, construíamos nossos próprios brinquedos.

A vida seguia calma e feliz, parecia uma paz eterna.

Não sei de quem foi a ideia de virmos para a cidade, a verdade, única, é que perdemos a simplicidade para tornarmos escravos de um estranho mundo, de estranhas pessoas e estranhas vozes.

Perdemos o controle sobre nossas vidas e do nosso tempo... Tempo que começava com o cantar do galo até o cair da noite, quando a gente se reunia na varanda para comer bolo com café e entoar "Utopia", canção do Padre Zezinho (vídeo abaixo).

Hoje, voltando ao sítio que foi nosso, reencontrei os verdadeiros donos do tempo: os lírios d'água... Eles nos hipnotizam de tal forma que acabamos por esquecer que a vida não é um lago florido engolindo pingos de chuva!!

Foto: Arquivo pessoal

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