João Neto: Os Intermináveis Dramas das Almas Frágeis

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Levei um susto quando, ao levar minha moto pra revisão, um andarilho para ao meu lado e implora por uma moeda de real, um colega dos tempos de escola, no colegial! 

Ele não me reconheceu, eu fiz de conta, apesar de assustado, nunca tê-lo visto.

O que ele estaria fazendo aqui no Paraná?

Em que parte da estrada teria se perdido? 

Fácil imaginar...

Passou a vida debruçado sobre a influência e status do pai, então gerente de um extinto banco da cidade... A fonte deve ter secado.

E onde estaria o carrão do ano, o qual ostentava com apenas 17 anos de idade? 

Um belo e esportivo carrão branco, pneus tala larga, volante “Phanter” e toca-fitas “Roadstar auto-reverse”! 

Volante “Phanter” (modelo dos anos 70) (Foto: Reprodução)

Toca-fitas “Roadstar auto-reverse” modelo do começo da década de 80 (Foto: Reprodução)

Suas coisas alimentavam nossa ilusão estudantil, no fundo queríamos ser como ele!

Agora está aqui, implorando migalhas, enquanto desço da moto.

Não usa mais calça “Lee”, jaqueta de couro, tênis Rainha... O perfume caro deu lugar a esse fedor que agora emana... Triste decadência de um playboy que, por vezes, pelo retrovisor, nos olhava com alardeado desdém... Nós, simples miseráveis!

Calça “Lee” (Foto: Reprodução)

Tênis Rainha, modelo da década de 80 (Foto: Reprodução)

Reflito e concluo que não é hora de questionar antigas ostentações, está aqui, um sujeito que desceu do carrão e entrou na garrafa de Jhonnie Walker que trazia no porta-luvas... Do whiski importado, desceu para o último patamar... Nem para a pinga mais ordinária, disponível nos botecos, tem recursos.

Garrafas de whiski Jhonnie Walker (Foto: Reprodução)

Me identifico:

- Sou o Marreco, lembra?

Ele baixa a cabeça e emudece, envergonhado, vira-se para partir... Não permito, sem antes entregar-lhe uma nota de R$20... Naquele instante eu devolvia-lhe parte do dinheiro que pagou para ter seu nome incluso nos meus trabalhos escolares, trabalhos que não contribuiu com uma vírgula sequer, e eu, levianamente - pela necessidade - aceitei!

Pegou o dinheiro e desceu avenida abaixo, sem olhar pra trás!

Não o condeno - nem absolvo, sequer julgo... Afinal, ainda que a diferença financeira e social nem se compare, na minha casa o álcool também destruiu a vida do meu irmão mais promissor!

Os dramas só mudam de endereço!

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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos. 

Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.

João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.