João Neto: Os trilhos do tempo

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Estive ontem em Marques dos Reis, um patrimônio ao lado do Rio Paranapanema, da BR-153, além da linha férrea da Rede Ferroviária Federal, na divisa entre São Paulo e Paraná.

Naquele trecho vivenciamos algumas das nossas mais perigosas aventuras juvenis... Nosso desafio era pegar rabeira nos trens de carga, perto do pontilhão, descer na estação de Marques dos Reis e mergulhar no Paranapanema, despencando da ingazeira do Diacuí... Aquilo era nossa Disneylândia, o melhor dos mundos!

Se era perigoso subir num trem em movimento, imagine saber que, quando da nossa chegada no pátio da estação de Marques dos Reis, íamos dar de frente com Sr. Ananias: mecânico/chefe da RFFSA... Camisa aberta, chapéu borsalino e faca na cinta, ele cuidava daquilo como se fosse sua própria casa... Pensa num homem bravo!

Hoje, tudo está no mais completo abandono, silencioso, soturno, em ruínas. 

Não vimos nem ouvimos o velho Ananias (senti falta dos seus berros: - Lá vêm os capetas!). Nem sua casa existe mais... As casas da vizinhança estão castigadas pela ação do tempo, se deteriorando, também!

Os vagões-oficina permanecem no mesmo lugar, porém, se desintegrando pela ação do tempo!

As fadas que pairavam no local foram embora, e levaram consigo as flores e as borboletas azuis.

As olarias, ao redor, parecem emanar a mesma fumaça de 40 anos, entretanto, não conseguem disfarçar a tristeza escorrendo por suas chaminés.  Quem sabe sentem saudades dos meninos que dependuravam nos vagões, talvez saudades dos trens de passageiros que viraram peças de museu! 

Aquelas chaminés documentaram que fomos felizes...

As mangueiras e goiabeiras, às margens da ferrovia, continuam por lá, resistiram ao tempo, até aumentaram em razão dos pássaros que esparramaram suas sementes - por entre os dormentes - naqueles caminhos, hoje dormentes.

O mais triste foi encontrar tudo acabado, parado, com a respiração ofegante, sem perspectiva de se chegar a nenhuma nova estação.

Melancólico voltei para casa, mas antes tive que deixar minha contribuição na gananciosa e dispensável praça de pedágio que, feito cão de guarda, bloqueia a passagem com intuito de engordar o bolso dos novos donos da estrada.

Nós, meninos dos vagões, ainda que no imaginário, permaneceremos donos da ingazeira, donos dos trilhos, donos do tempo, donos da felicidade e da vida!

João Neto nos trilhos em Marques dos Reis (Foto: Arquivo Pessoal/João Neto)

Sobre Marques dos Reis

Foto: Reprodução Google/Maps

Jurisdicionalmente um bairro de Jacarezinho (PR), praticamente uma comunidade ligada a Ourinhos (SP), tal a proximidade e o mercado de trabalho, Marques dos Reis surgiu em 1937, do encontro de duas ferrovias e é o nome da estação, que lá existia.

O bairro situa-se agora no vértice de duas rodovias federais, a BR-369 e a BR-153, convergentes na margem esquerda do Paranapanema onde está a ponte entre o município paranaense e o paulista.

Está a 18 quilômetros de Jacarezinho e a um quilômetro de Ourinhos.

Fonte: Folha de Londrina

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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos. 

Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.

João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.