Numa das minhas andanças a trabalho pela área rural, acabei chegando numa casa de fim de estrada, no pé de uma serra.
A casa estava com boa aparência, apesar de desbotada.
A janela semi-aberta, além do telhado que carregava a mesma cor da terra vermelha... O silêncio do lugar era assustador, combinando com aquele sol de fim do mundo.
Buzinei a camionete ninguém saiu, acabei me assustando com duas juritis que se incomodaram com minha presença e voaram desde uma paineira, assustadas.
Resolvi entrar na casa pela porta dos fundos, o quintal já havia sido tomado pelo mato, observei, no varal de arame farpado e enferrujado um vestido e uma calça jeans, todos descoloridos pelo tempo, já apodrecidos e em trapos.
Dentro da “arinha” havia, além de um “sofazinho” de corvim, um tanque de lavar roupas, cheio de folhas secas e um pedaço de sabão, também ressecado e rachado, em ranhuras envelhecidas.
A porta da cozinha encostada, amarrada com um pedaço de arame fino, aparentava anos de omissão.
Ao abrir a porta, a dobradiça chorou o rangido dos tempos de solidão... A claridade entrou antes de mim, iluminando o ambiente.
Havia um armário velho sobre a pia, alguns utensílios de alumínio sem brilho e pretejados pelo fogão de tijolos que, coberto pelas teias de aranha, apresentava dois pedaços de lenha queimados até a metade. Sobre a pia um prato com restos esturricados de arroz cozido.
Na parede oposta à pia vi, dependurado e manchado, um calendário antigo, de 1977, cortesia do Supermercado Tone.
Nem quis conhecer o resto da casa, simplesmente puxei a porta e a amarrei dando três voltas no arame em torno do prego.
Ao sair ainda fiz o registro fotográfico... Toda a cena me trouxe uma estranha nostalgia e uma sensação de estar sendo observado. Tive medo!
Liguei a camionete e parti, a casa foi diminuindo no meu retrovisor e eu fiquei imaginando o motivo pelo qual deixaram a casa, com comida no prato e roupas no varal.
Casa no Bairro Semeador, em Santo Antônio da Platina (PR) (Foto: Arquivo Pessoal/ João Neto)
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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos.
Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.
João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.