Por João Neto; A Oncinha Vai Te Pegar

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Lá pelo final dos anos 70, nossa família já morava na Barra Funda, por conta disso, meu caminho natural para engraxar sapatos na estação de trem era: sair da Rua Brasil, subir a Rua Piauí (hoje Olímpio Coelho Tupiná) até a Avenida Jacinto Sá, virar a Antônio Prado, atravessar a linha e pronto, estava eu na estação engraxando sapatos.

Naquele tempo, Ourinhos era uma cidade em franco desenvolvimento, o grande termômetro dessa realidade era a quantidade de grandes empresas, de vários segmentos, que atuavam por aqui: Landuldo, Truck Ito, Retifica do Koga, Retifica São João, Refrigerantes Caiçara, TNL, Castor, CWA e Marvi, sem contar o maior parque ceramista do Brasil, além das três grandes distribuidoras de alimentos: Dias Martins, J. Alves Veríssimo e São Marcos... A ferrovia ainda escoava 70% da produção agrícola da região e a Usina São Luiz já se agigantava. Era "vaga de emprego" pra todo lado.

Capítulo à parte nesse processo desenvolvimentista, a Caninha Oncinha, já era o maior empregador, maior pagador de impostos da cidade, e maior produtor de aguardentes do Brasil.

Pela proximidade geográfica com nossa casa, na Barra Funda, num horário de almoço qualquer, meu pai sugeriu para meu irmão Alair, que tentasse "fichar" na Oncinha, na sua área de atuação: eletricista residencial e industrial.

Ah, "fichar" naquele tempo era o mesmo que entregar um curriculum.

O Alair até se interessou, porém um dos irmãos começou a rir e exclamou:

- Esquece disso, ele será mandado embora na primeira semana, vai querer beber todo estoque de pinga dos Ferrari... Não vai não, Alair... A Oncinha vai te pegar!

Bem, nem precisa dizer que o Alair, desistiu da ideia, apesar de grande profissional, já vivia um "relacionamento sério" com o balcão dos bares.

O Alair seguiu por outros caminhos e se enveredou pelo caminho do alcoolismo... Aliás, faleceu anos depois por complicações hepáticas em virtude do álcool.

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A Oncinha também teve que se adequar às realidades econômicas/financeiras/tributárias, acabou reduzindo seu parque industrial.

Fica eternizado este registro de um flash de nossa vida familiar, parte de uma história de lutas.

"Nada do que foi será, do jeito que já foi um dia..." diria Lulu Santos.

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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos.  

Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.

João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.