Vou pintar a casa de azul-royal, João!

Compartilhe:

Cerca de três anos antes, eu estava aposentando, havia estado no sítio do "seu" Raul... Muita chuva, um janeiro molhado.

Conferi a leitura do medidor e, antes de sair, o cafezinho já me esperava sobre uma mesinha de fórmica vermelha.

O café era o artifício daquele matuto para esticar a conversa... Falou da vida, da saudade de Dona Odila, do filho que não dava notícias há anos. Ah, sempre elogiava seu próprio nome, de novo observou a curiosidade:

- Sabia que "Raul" de trás pra frente fica "Luar", João?

Mal sabia aquele caboclo que, num todo, ele era pura poesia!

Enquanto conversava o feijão borbulhava sobre o preguiçoso fogão de lenha. Convidou para almoçar com ele, ponderei que não podia, estava com as leituras atrasadas.

Fez questão de mostrar o pé do Barão, um burrinho também idoso, afirmou que havia sarado da "bicheira" na pata traseira... Deslizou sua mão enrugada sobre o lombo do animal, acariciou as orelhas e a face do burro, exclamando:

- Meu companheiro desde a geada de 75, tá no finalzinho, João!

Colocou mais café na minha caneca esmaltada, e mostrou no canto da área duas latas de tinta de boa marca:

- Vou pintar meu "rancho", João - azul-royal, a Odila quem gostava de azul!

Proseamos mais um pouco, levantei pra partir, ele me deu algumas abobrinhas, dentro de uma sacolinha de mercado.

Foto: Arquivo Pessoal

Seguiu abrir a porteira, despedi, ele retornou solitário para sua casa..  Pelo retrovisor avistei ele virando o pescoço para trás, erguendo a mão num leve aceno.

Pois é... No comecinho do mês passei pra visitar seu Raul, queria contar que eu voltei ao trabalho, depois de mais de três anos.

Havia apenas um senhor de meia idade no local, disse que o pai não resistiu a uma pneumonia.

Vixi, que baque... Não alonguei muito o papo, mas pude perceber as paredes da casa pintadas pela metade, em azul-royal.

A caixa de luz adulterada, os vândalos destruíram e levaram a fiação, o Barão, sem perceber minha presença, pastava solenemente, sem tirar o focinho da relva, que devia estar saborosa.

A noite começava a cair, vagarosamente!

Apressei a saída, o tempo estava fechado... Acho que nesta noite não haverá "Luar".

- DJ, toca "Lua Bonita" do Raul.

Confira outra história – clique aqui